Cerejas (ou é assim que tenho vivido sem você)
Fazia tempo que não tomava chá neste lugar – aquele em que você sempre me levava. Não há muitas mesas ocupadas, procuro sentar longe dos outros e finjo ler um jornal, desinteressada. Uma gota do chá que tomo cai na primeira página, ao lado do último escândalo envolvendo o presidente. Fico por alguns instantes reparando em como o liquido é sorvido pelo papel, deixando uma mancha amarela em forma de sapo ou guaxinim. Aquilo me interessa mais do que a manchete do jornal e resolvo deixar as notícias de lado. Na mesa ocupada mais próxima, um casal parece discutir. Ele fala com bastante paixão, agitando os braços diversas vezes. Ela o fita, sem nada dizer, os olhos semi cerrados e a expressão vazia, como se há muito não ouvisse o que ele dizia. Ela bebe devagar o café e move a cabeça de vez em quando, concordando ou não com o provável namorado. Lembro-me então de você, como não lembrar? Você que fazia discursos tão eloquentes e fervorosos por ideologias distantes, comportamento social, márti