Cerejas (ou é assim que tenho vivido sem você)
Fazia tempo que não tomava chá neste lugar – aquele em que você sempre me levava. Não há muitas mesas ocupadas, procuro sentar longe dos outros e finjo ler um jornal, desinteressada. Uma gota do chá que tomo cai na primeira página, ao lado do último escândalo envolvendo o presidente. Fico por alguns instantes reparando em como o liquido é sorvido pelo papel, deixando uma mancha amarela em forma de sapo ou guaxinim. Aquilo me interessa mais do que a manchete do jornal e resolvo deixar as notícias de lado.
Na mesa ocupada mais próxima, um casal parece discutir. Ele fala com bastante paixão, agitando os braços diversas vezes. Ela o fita, sem nada dizer, os olhos semi cerrados e a expressão vazia, como se há muito não ouvisse o que ele dizia. Ela bebe devagar o café e move a cabeça de vez em quando, concordando ou não com o provável namorado.
Lembro-me então de você, como não lembrar? Você que fazia discursos tão eloquentes e fervorosos por ideologias distantes, comportamento social, mártires revolucionários e maionese. É, maionese. Lembro como você odiava quando pedia um lanche sem, mesmo sabendo que iriam esquecer. E você dizia: “tá vendo? Eu sabia que iam mandar com maionese, essa coisa nojenta!”. Às vezes penso que de todas as suas discussões-monólogos, esta era a mais verdadeira, a única em que você sabia realmente do que estava falando.
Não me entenda mal, não estou ridicularizando sua conduta, mesmo que a considere ingênua. Na verdade, acho-a tão pura e rara que só de lembrar, um sorriso acende em meus lábios. Sinto até falta desta doce presença, já que vamos envelhecendo e ficando tão amargos.
Percebo novamente que nossos caminhos só podiam ser separados, pois eu não tinha – e até hoje não tenho – essa energia para definir e discutir a vida: sempre fui do tipo silencioso que só sabe vive-la. Tento, vez ou outra, transformar em palavras o que sinto, mas é como se tentasse desenhar um som ou escrever com cores.
Sorvo o último gole de chá e vejo que o casal já está tranqüilo e ele sorri de uma forma muito bonita para ela, mãos entrelaçadas e alianças de noivado encostando-se. Ela agora sorri, também terna e eu invejo aquele sorriso. No fundo, sei que é falso, estampado num rosto que realmente não se sente feliz. É um sorriso vistoso e doce, como aquelas apetitosas cerejas em calda que nem sequer são cerejas de verdade, apenas maçarocas coloridas e aromatizadas artificialmente feitas a partir de chuchu ou mamão.
E quando percebo, a saudade que sinto é tão grande que me sufoca. Não sei se de você apenas, ou de como tudo que fazia me irritava e encantava em igual proporção, ou se da época em que eu também conseguia dar aquele sorriso adocicado artificialmente.
Pago a conta e me retiro. Sua presença ausente vai sumindo aos poucos, até não sobrar nada. Olho a rua, as folhas sendo sopradas pelos ventos, os olhares tão vazios quanto os meus perambulando pelas ruas. Já não tenho o sorriso doce, mas também não me sinto sufocada pela companhia vazia de quem não se ama mais.
E é assim que tenho vivido sem você.
Na mesa ocupada mais próxima, um casal parece discutir. Ele fala com bastante paixão, agitando os braços diversas vezes. Ela o fita, sem nada dizer, os olhos semi cerrados e a expressão vazia, como se há muito não ouvisse o que ele dizia. Ela bebe devagar o café e move a cabeça de vez em quando, concordando ou não com o provável namorado.
Lembro-me então de você, como não lembrar? Você que fazia discursos tão eloquentes e fervorosos por ideologias distantes, comportamento social, mártires revolucionários e maionese. É, maionese. Lembro como você odiava quando pedia um lanche sem, mesmo sabendo que iriam esquecer. E você dizia: “tá vendo? Eu sabia que iam mandar com maionese, essa coisa nojenta!”. Às vezes penso que de todas as suas discussões-monólogos, esta era a mais verdadeira, a única em que você sabia realmente do que estava falando.
Não me entenda mal, não estou ridicularizando sua conduta, mesmo que a considere ingênua. Na verdade, acho-a tão pura e rara que só de lembrar, um sorriso acende em meus lábios. Sinto até falta desta doce presença, já que vamos envelhecendo e ficando tão amargos.
Percebo novamente que nossos caminhos só podiam ser separados, pois eu não tinha – e até hoje não tenho – essa energia para definir e discutir a vida: sempre fui do tipo silencioso que só sabe vive-la. Tento, vez ou outra, transformar em palavras o que sinto, mas é como se tentasse desenhar um som ou escrever com cores.
Sorvo o último gole de chá e vejo que o casal já está tranqüilo e ele sorri de uma forma muito bonita para ela, mãos entrelaçadas e alianças de noivado encostando-se. Ela agora sorri, também terna e eu invejo aquele sorriso. No fundo, sei que é falso, estampado num rosto que realmente não se sente feliz. É um sorriso vistoso e doce, como aquelas apetitosas cerejas em calda que nem sequer são cerejas de verdade, apenas maçarocas coloridas e aromatizadas artificialmente feitas a partir de chuchu ou mamão.
E quando percebo, a saudade que sinto é tão grande que me sufoca. Não sei se de você apenas, ou de como tudo que fazia me irritava e encantava em igual proporção, ou se da época em que eu também conseguia dar aquele sorriso adocicado artificialmente.
Pago a conta e me retiro. Sua presença ausente vai sumindo aos poucos, até não sobrar nada. Olho a rua, as folhas sendo sopradas pelos ventos, os olhares tão vazios quanto os meus perambulando pelas ruas. Já não tenho o sorriso doce, mas também não me sinto sufocada pela companhia vazia de quem não se ama mais.
E é assim que tenho vivido sem você.
essa atmosfera que voce sempre cria é sempre muy bela
ResponderExcluiralgo entre o ar em sua inércia e o vento que joga tudo pra longe
é a inevitabilidade da vida que pulsa em goles de chá e em casais-felizes-que-não-somos-nós
gostei muito disso.
ResponderExcluir