sado (ou morangos amassados)

Foi assim que aconteceu. eu não a esperava ali. jurava que nunca mais ia encontrá-la. pelo menos é o que meu sonho verde áspero- daqueles que te deixam sem ar enquanto dorme, que trazem à tona uma lagrima fria- havia me contado. sim, um sonho ruim que te acorda com uma lágrima n'olho e um sorriso no rosto, por te contar bem baixinho que nada daquilo era verdade. não havia mais motivos pra se debater. não havia mais por que procurar a solução no escuro. pois você podia sim acender a luz e ver que os monstros, os fantasmas que sua mente adulta criou, não estão ali. pelo menos naquele momento.

ainda não consigo acreditar em sonhos-presságios. pra mim os sonhos ainda são manifestações de pulsos elétricos no cérebro. até a dor no coração que sentimos é só isso. não há paixão. não há quadro, não há cor. é tudo invenção do cérebro. é tudo um grande rascunho de grafite feito às pressas. logo vão amassar teu amor-sonho-sorriso e te dar outra folha em branco. raras são as pessoas que conseguem cuidar de uma folha até que amarele. até que venham as traças e acabem comendo tudo, num grande sonho real.

você ainda pode ver as sombras no fundo da caverna, mas não é capaz de dizer de onde vem a luz. atribui tudo a um deus estúpido que inventou pra se isentar de toda e qualquer culpa que está por vir. e, por ver que os outros te copiam nessa grande ideia que teve de sair pela esquerda, inventa qualquer desculpa pra que façam o que diz, mas não o que faz.
se ao menos olhasse pra trás, veria que o fogo aumenta, e que breve morrerão, com sorte, asfixiados, e com mais sorte ainda, queimados. pois é a dor que quer sentir. é a dor que te dá vida. mesmo sendo a mesma dor que mata. mesmo queimando todos os rascunhos que não consegue mais ver, pela fumaça que já é densa e por ainda se sentir mais atraido pelas sombras na parede. o que seria da escuridão se não fossem as sombras?

Os morangos mofam
foram amassados enquanto ainda estavam maduros. eram comestiveis sim. há agora uma grande colônia de fungos neles. e mesmo assim ainda são comestíveis. não sei por que pisou com tanta força neles. ao menos não escorregou, ao menos não se machucou.
sabe? os morangos me lembram corações e a sua fala naquele momento me lembrava algumas canções. canções sobre morangos amassados, despedaçados. canções tristes e sussuradas ao ouvido de quem tem dor de cabeça por chorar há um longo tempo.

eu me lembro agora. os morangos tinham cobertura de chocolate. e foram trazidos a ti por duas mãos contentes. mal viam a hora de passarem essa alegria à frente.
agora estas mesmas mãos os trazem de volta. escorrendo entre os dedos. tentanto consertar o que não cabe à elas consertar. eu deveria saber que mãos não combinam com pés. tantas vezes elas foram pisadas. deveria saber que aquela dor não era uma dor boa. não era necessária. mãos merecem carinhos de outras mãos. senão mais as suas, não será dificil encontrar outras. porém em outras, será dificil encontrar as tuas, que, por raros momentos, me deram o que deveria ser dado a todo instante. que por raros momentos me puxaram pra direção certa. e que por muitos momentos, me fizeram pôr as minhas no bolso praquecê-las. se preparando pro reencontro com as tuas.

pois é...
mas a tristeza reapareceu, assim, como quem não quer nada. e amassou meus morangos. com seus passos gigantes, como num sonho.
agora o que me restam são viscosos morangos que sangram em meus calos lágrimas frias de um um sonho que era de verdade.

Comentários

  1. não consigo entender como uma pessoa consegue traduzir sentimentos em atos tão fielmente descritos...

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  2. penso que morangos amassados dão em suco. vamos beber dos morangos amassados!

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  3. Suco de morangos mofados, o néctar dos deixados.

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  4. eei, que legal seu comentario
    como me achou?

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  5. Jurava que tinha escrito algo aqui, pois lembro que quando li esse texto fiquei muito impressionada - e um pouco sem palavras. (vai ver foi por isso que não escrevi nada).

    Os seus textos tem uma poesia que sempre me encantam!

    Adoro qdo vc diz q são " raras são as pessoas que conseguem cuidar de uma folha até que amarele. até que venham as traças e acabem comendo tudo, num grande sonho real. "
    Pq... o que é pior? Qdo amassam tem papel antes ou ele amarelar, o desenho aos poucos sumir e não restar dele apenas uma lembrança amarga de tudo que jamais seria? As vezes acho que o desenho seria real, colorido... e a realidade o esboço do que planejamos.
    Não sei, mas desta vez eu vou tentar deixar amarelar.

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