fuso horário (ou a pausa significativa dessas horas em tão pouco tempo)

já te amanhece aí e aqui ainda é ontem. enquanto tento apagar o pouco do meu hoje, você já está começando um outro dia, e o seu ontem- que é ainda onde estou e até mais longe- você já não se lembra mais.

dois compassos em tempos errados.


já te anoitece aí e aqui agora é dia. hoje. se eu te conto desse meu hoje, meu presente, o que me passa agora chega pra você em forma de futuro, o seu presente acontece no meu futuro e assim, tudo fica cada vez mais distante de mim. tudo que me disse ontem ficou como lembrança dentro do meu dia de ontem. mas pra você ainda era hoje, e enquanto eu interpretava como lembrança, pra você era o instante. enquanto eu interpretava como instante para você era uma chance no futuro. quando entendi como uma chance, já não estávamos no mesmo futuro, já era tarde demais, e voltou a ser lembrança.

sem compasso.




já me chegou amanhã, já deixou de ser ontem mas não o bastante para alcançar o seu presente (já são duas noites de diferença) por mais que eu tente acelerar o futuro, jamais alcançarei o seu hoje jamais alcançaremos o mesmo tempo e as horas não permitem que a gente entenda da mesma forma, as frases são difusas.

três por quatro e não há valsa alguma.


se hoje a minha fala é construção, chega então até você como ruína. esse andamento na nossa comunicação se dá em alegretto. adagio melancolico na nossa tradução. dois pontos e um dos lados dos parênteses virado para cá. um sorriso. é entre esses dois pontos e um desses parênteses virado para cá que fica a lacuna entres nós dois, os deslocamentos do tom, os acidentes na tradução. conversamos em compassos que nem ao menos são nossos.

dando passos para o nada.

Comentários

  1. Perfeito!
    É interessante ver como o tempo sempre passa mais rápido para os outros, né? Vivo o passado de muita gente ainda, mesmo sabendo, no meu caso, que não tenho chances de ser futuro.

    (às vezes leio alguns textos seus e fico aliviado em saber que outras pessoas têm angústias parecidas com as minhas. Sei que são outras situações, talvez existentes só na sua ficção e cabeça, mas o alívio é sincero)

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  2. amei esse, druwe! um dos que eu mais gostei.

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  3. Como sempre, visceral! Engraçado, li e senti algo que já nem era mais meu, que eu pensei ter abandonado. É estranho... quando se vive no passado de alguém com quem, no fundo, nem queremos mais ter um futuro...

    Estranho que no começo achei mesmo que fosse alguém que estivesse do outro lado do mundo... porque eu sentia isso quando havia 12h de diferença, falava do dia que passou, mas que nem tinha começado pros outros.

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  4. que forte. achei lindo!

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