O cupido (ou o ato em vão)

Apesar de ter uma pequena deficiência que não permitia a Pepe acompanhar os meninos de sua idade na escola, meu irmão era bastante inteligente. Fanático por leitura, subia toda tarde até a biblioteca do pai, pegava o livro de mitologia grega e lia e relia até o jantar.
Aproximando-se o carnaval, logo anunciou a todos:
- Quero ir de cupido.
Fácil, o cabelo louro e encaracolado já lhe dava a cara angelical, bastando apenas arrumar um tecido para enrolar no corpo e umas sandálias. Minha avó cuidou de todo o vestuário: comprou o calçado na feira; pegou uma velha cortina branca e, com sua tesoura e máquina, fez um tipo de vestidinho que lembrou bem os tempos antigos.
No jantar, Pepe irritou-se:
- E as flechas?
- Quais flechas?
- Do Cupido! Eu não serei o Cupido? Pois bem, ele tem flechas e um arco também!
É mesmo, tinha razão. Meu avô, então, foi a uma loja na manhã seguinte e comprou um brinquedo de plástico vagabundo.
Na noite de Carnaval, bateram na porta do quarto.
Leve seu irmão ao baile da praça, ordenou-me a mãe.
- Não quero.
- Você vai levá-lo.
- Mas eu não quero.
- Leve! Não é um pedido, é uma ordem, moleque.
Peguei no braço do menino e desci as escadas. O conjunto lhe caiu tão bem que pareceu mesmo um anjo.
Na praça, o sorriso no rosto aliado ao brilho no olhar indicavam a felicidade inocente do meu irmão. O movimento da festa alegrava a Pepe, acostumado a ficar trancado sozinho dentro de casa. Tudo ia bem até que dez minutos após chegarmos ao local, rodeando o coreto, apareceu Solange com o atual namorado.
Era eu feliz com ela até mês passado, quando terminou comigo para ficar com esse homem lá de Brasília. Mulher de cidade pequena se derrete por qualquer forasteiro.
Aí, fiz força, mas não consegui: ao vê-la beijando o canalha, uma lágrima caiu.
Pepe olhou tudo. Perguntou-me se era por causa de Solange e pedi a ele que deixasse para lá este assunto.
Irritado, desgrudou de meu braço e saiu correndo em direção a ela. Com seu arco, começou a atirar desengonçadamente suas flechas. Uma bateu na perna, outra na barriga.
- O que está fazendo, moleque doido? – Perguntou Solange.
- É para que ame meu irmão!

Comentários

  1. in
    cr
    iv
    el


    no ponto. nada a mais nem a menos.

    um otimo texto pra retomarmos nosssas atividades inspiradissimos.
    serião cara
    parabéns

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  2. lembrei muito do felicidade clandestina da clarice lispector
    sim, retomada. tentarei.

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  3. hahahaha que maravilha! infelizmente meus comentarios não são nunca tão refinados como os acima, mas realmente o texto ficou muito bom fi hahaha não sei bem porque tenho vontade de rir, talvez pelo fato da decepçao amorosa ter sido colada de modo tão infantil. E o legal tambem é que voce, quem conta, parece bem aqueles personagens secundarios dos bons filmes de sessão da tarde hahaha

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